segunda-feira, 1 de julho de 2013

EDINALDO


É difícil crer em algumas histórias. Costumo, no entanto, acreditar mesmo nas mais incríveis. Pense no grau de loucura das pessoas, toda aquela infindável carga de publicidade vomitada incessantemente sobre todos, todos os dias. Note as diferentes e doidas manias. Tantas bizarras associações: carro/relógio, esposa/jardim, sexo/dinheiro...

Já tem tempo que tenho notado tais maluquices, e por isso me sinto um tanto blindado. Quer dizer, eu acho que pelo menos até certo ponto. Mas acreditar nas histórias, por mais escatológicas que sejam, não tira delas o poder de nos chocar e, FELIZMENTE, divertir, ainda que de maneira tragicômica.

Havia um cara chamado Edinaldo. Defini-lo é traçar um paradoxo. Imagine um cara homossexual, afetado, de fala mole e trejeitos de perua. Mas, apesar disso, que ostente um baita rosto quadrado, uma enorme e grotesca mandíbula, cobertos por pelo grosso e espesso. Mesmo fazendo a barba todo o dia e, acredito eu, passando algumas loções e o caralho a quatro, o que se via naquela farta cara era uma grossa camada azulada, repleta de pequenos furos a indicar os pelos que ali cresceriam.

Se não bastasse o mal estar que a horrorosa figura causava apenas pela simples presença, sua necessidade de ser notado e, principalmente, de ser ouvido, fazia a coisa toda ficar bastante desagradável. Pequenos feixes de cabelo marcavam sua testa, precipitando-se do resto que sempre se encontrava besuntado de gel. Era a triste imagem de um vampirinho mandibuloso, não muito alto, mas atarracado, carente e verborrágico.

Edinaldo orgulhava-se em trabalhar no Palácio da Justiça. Os gays tendem a valorizar o lance da arquitetura, o refinamento, e por isso ele enchia a boca pra dizer onde trabalhava. Calculo que só não contava a outra parte. A de que era terceirizado, e que seu trabalho consistia em conferir a quantidade de volumes dos processos antes de colocá-los em malotes dos Correios.

Ainda que trabalhasse num local distante dos cartórios judiciais, fazia questão de dar rolê pelas salas do Palácio. Queria ver e, principalmente, ser visto. Foi assim que o conheci. Aparecia frequentemente no cartório em que eu trabalhava. Fez amizade com o par de pernas mais assediado da seção. Fazia os funcionários rir contando fofocas e suas impressões sobre as pessoas. Chegou a dizer que eu tinha jeito de que “gostava da coisa”, não me ofendi, deixava rolar. Não satisfeito, ele insistia que outro cara também era “veadinho”, esse cara também não ligou. Simplesmente não dava pra levar Edinaldo a sério.

No repertório de suas histórias, sempre havia um sexo selvagem com um cara bem dotado, quase sempre bonito e bom de grana. Também rolava o papo de que naquele dia, em especial, sentia verdadeira fome de pau; que não aguentava mais seu setor; que seguiria outra carreira; que fez amizade com alguém importante; que sua personalidade se afinava com certo personagem de uma novela. Ladainhas, ladainhas...

Teve um dia, no entanto, que a coisa mudou de figura. Edinaldo, sempre sorridente, daqueles caras que riam bastante, inclusive do que mesmo falam, estava triste. Macambuzio, perambulava pelo Salão dos Passos Perdidos. Eu tinha de atravessar o salão para levar um processo num Cartório, passei por ele.

- E aí, monstro, cê tá legal?

- Ai, Alê, mais ou menos. Aconteceu uma coisa meio triste, cara...

- O que foi?

- Lembra que eu te disse que queria ser ator pornô?

- Hum-hum, lembro.

- Pois é, fiz um teste ontem. Mas foi uma droga, quero dizer, deu tudo errado...

- Não te contrataram por que você é muito feio?

- Ai, idiota, não zoa, não vê que tô mal?

De fato, ele estava na “bad”, como dizia. Nunca o tinha visto naquele estado. Resolvi ser legal, não queria que ele chorasse. Não na minha frente.

- Tô brincando, desculpa. Mas e aí, o que pegou?

- Você sabe como são os testes para os filmes pornô?

- Não faço ideia.

- Cara, me comeram por três horas, praticamente sem parar. Foi um verdadeiro revezamento de rolas. Eram picas enormes, pés de mesa, me estraçalharam!!!

Segurei o riso. Não queria uma bicha gritando comigo. Disse:

- Mas por que está triste, então? Achei que estivesse realizando um sonho.

- Você não tá entendendo! Fui estraçalhado! Três horas! Me lembro de quatro ou cinco caras!

- Tá, entendi, devem ter te machucado. Mas depois de tudo isso, eles devem ter gostado de você, não?

- Não, cara, não fui selecionado! Depois do teste, me disseram que EU NÃO TINHA O PERFIL! Tremi, fiquei em estado de choque! E Sabe a única coisa que eles me deram?

- Não.

Percebi que Edinaldo lutava contra o choro. Balbuciou:

- Um refresco de caixinha.

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