Quem
já alcançou seus 25, 30 anos de vida certamente não se recordará de outro tempo
em que tanto se discutiu política. Claro que quantidade não traz consigo
qualidade. A popularização das mídias sociais teve o efeito de, por um lado,
trazer mais gente para esse tipo de discussão, mas, por outro lado, fez nivelar
a coisa por baixo, muito baixo. Não que antigamente não se ouvisse nos bares,
filas de bancos e supermercados coisas do tipo "espero que caia um meteoro
em Brasília", "bandido bom é bandido morto", "no tempo do
governo militar havia ordem e o Brasil crescia, vagabundo não tinha vez",
"socialistas são assassinos" etc etc. A diferença é que hoje a coisa
tá lá escrita e, em escala exponencial, viraliza-se, nos assombrando a cada
visita à praça pública dos nossos dias, qual seja, o facebook.
O
ideal seria que as pessoas procurassem se informar de verdade antes de
manifestar opiniões tão categóricas, ou seja, usassem o bom senso. Ocorre, no
entanto, que o bom senso passa muito longe da maior parte dos posicionamentos
políticos que a gente vê, os quais, se bem analisados, não passam, em geral, de
preconceitos, ou seja, são absolutamente destituídos de qualquer argumentação
racional. Hoje um sujeito escreveu que "Lula é cachaceiro" e
"Dilma usa tarja preta", algo que, muito provavelmente, ele leu na
Veja ou em algum blog da direita. Como seria bom se os cachaceiros do Brasil
fossem como o Lula, um cara que, diga o que disserem, conseguiu romper com
barreiras seculares e bateu de frente contra os sempre donos do poder...! A
minha noção de cachaceiro é o coitado com a face espalmada na calçada do bar, e
não o Lula. Sinceramente, não fazia ideia de que cachaceiro pudesse ser
sinônimo de estadista. A rapaziada não deixa por menos quanto à Dilma.
Ofendem-na de cabo a rabo, não manifestam o menor respeito por uma pessoa que
quase perdeu a vida para que pudéssemos dizer o que pensamos, inclusive esse
monte de bosta que falam dela.
Faces
gordas e oleosas acompanharam com cara alegremente abobada a condenação da
ex-presidente ao impeachment. Ouvi fogos, buzinaço e gritos de euforia. Nada
mais semelhante com futebol, não? Com certeza deve haver uma alegria na
burrice. Um certo estado de torpor mental que leva o sujeito a facilmente ser
induzido, adestrado. Pensar de maneira crítica no Brasil é algo tão estranho
que é quase como se você fosse um estrangeiro, na pegada do estrangeiro do
Camus, tá ligado? Bom, se você conhece o Camus certamente você também se sente
assim, nem preciso explicar...
Qualquer
discussão minimamente séria sobre política deveria partir de premissas
correspondentes a dados objetivos da realidade. Brasil, 2016, é um país ainda
extremamente desigual, seja na renda seja nas oportunidades; a qualidade e o
desenvolvimento dos sistemas de saúde e de educação ainda estão longe do que
seria aceitável para um país rico como o nosso; o Estado brasileiro é
financiado, em sua maior parte, pela classe trabalhadora (sim, eu e você) seja
através dos tributos que incidem no consumo, seja na tributação da renda do
proletariado (os grandes capitais são relativamente pouco taxados, assim como
as grandes fortunas e heranças); o sistema judiciário, apesar das recentes
melhorias, ainda é precário, de modo que não responde de maneira satisfatória
ao universo de demandas típicas de uma sociedade complexa como a nossa; temos
um sistema de segurança pública dos mais violentos do mundo, sendo frequentes
as chamadas execuções extrajudiciais, abuso de poder, tortura, participação de
policiais em redes de criminalidade organizada etc. O legislativo federal é
altamente dispendioso e a atual composição é considerada por analistas sérios a
pior da história. Infelizmente, a maior parte das pessoas simplesmente desconhece
tais dados e aceita facilmente a opinião do senso comum. Não é raro
encontrarmos pessoas com nível superior (professores, médicos, advogados...)
emitindo opiniões que parecem referir-se a sociedades totalmente diferentes da
nossa, ou seja, partem de premissas absolutamente distintas das correspondentes
a nossa realidade.
Tendo
por base essas premissas, qualquer pretensão de que o Brasil avance tanto
enquanto sociedade (com mais qualidade de vida, mais justa e coesa) tanto
enquanto economia (melhoria da renda, maior geração de empregos etc), não
poderia abrir mão das seguintes reformas, as quais consistem em, grosso modo:
i) elevar a tributação sobre as classes mais abastadas (tanto na criação do imposto sobre grandes
fortunas quanto no aumento da alíquota sobre o lucro líquido das grandes
empresas, assim como a elevação da tributação sobre grandes heranças) e, ao
mesmo tempo, reduzi-la sobre a classe proletária, de modo a aumentar o poder de
compra da classe assalariada, o que teria evidente impacto positivo na
economia; ii) uma vez financiando-se o Estado majoritariamente dos grandes
capitais e fortunas, haverá a possibilidade de redução gradual da taxa de juros
oficial, o que teria o efeito direto de reduzir a dívida pública e o indireto
de estimular investimentos em produção, desencentivando o capital especulativo;
iii) reforma política visando reduzir os gastos com campanha eleitoral, a
redução das verbas parlamentares tanto na assessoria quanto nos projetos de
lei; iv) reforma administrativa no sentido de reduzir abruptamente a quantidade
de cargos em comissão e, na medida do possível, ocupá-los por servidores
concursados; iv) redução dos subsídios para a agricultura comercial e a
elevação dos mesmos para a agricultura familiar (para que menos Caiados da vida
mamem no Estado, entenda-se); v) aumentar os investimentos públicos em
educação, notadamente visando a formação de bem preparados professores do
ensino básico, estimulando a opção pela carreira através de melhorias salarias
e bons planos de carreira, bem como investir de maneira crescente em pesquisas
científicas.
É
claro que escrever sobre tais reformas é muito tranquilo e fácil. Não sou tão
idiota a ponta de desconhecer o quão difícil será implementar mesmo uma parte
ínfima do que citei, assim como o tempo que é necessário para a concretização
das mesmas, ainda mais sabendo o grau de ignorância do povo e a evidente
ausência de qualquer interesse das classes dirigentes na perda de seus
privilégios. Contudo, o caminho é esse, e, meninos da direita, gostem ou não,
foi o trilhado pelas nações mais avançadas do mundo.
É
comum presenciarmos professores, médicos, advogados, engenheiros manifestando
opiniões do tipo "brasileiro é vagabundo e o bolsa família o deixa ainda
mais". Você sente uma espécie de náusea e tenta argumentar. Explica para a
pessoa que sociedades avançadas possuem políticas de distribuição de renda
semelhantes, e, em geral, ainda mais abrangentes. Também rola de escreverem que
o Estado tem que cortar gastos, que deve encolher, para que a economia
alavanque. Aí você argumenta que as principais economias do mundo contaram e
contam com efetiva atuação do Estado seja no investimento em infraestrutura
seja no investimento maciço em pesquisa tecnológica e em educação, e que para
isso é necessário tributar. Chegando na tributação, se você ainda tem
paciência, tentará fazer o sujeito perceber que o problema está na fonte da
tributação, ou seja, em quem está bancando o Estado. Nesse ponto, o tipo
simplesmente ignorará o que você argumentou, e dirá que jamais será um
vermelhinho e aqui chegamos na "esquerdofobia".
A
esquerdofobia brasileira é algo bastante interessante. O Lula, na sua sabedoria
pragmática, evitava, em seus discursos, citar a palavra "esquerda"
e/ou "socialismo". Habilmente, ele se referia a "um governo
social". Esse cuidado do ex-presidente tem toda a razão de ser. O
brasileiro foi doutrinado a repudiar a esquerda e o Lula sabe disso. Esse
processo de doutrinação tem a mesma raiz de outras crenças que acabaram por
fazer parte do nosso senso comum, tais como a ideia de que não existe racismo
no Brasil, a crença de que o brasileiro é um povo afável, amoroso e pacífico, a
ideia de que todo aquele que se esforçar "vencerá" na vida, que
integrantes de movimentos sociais são vagabundos e marginais, que o fumante de
maconha é um ser pernicioso para a sociedade, dentre outras pérolas.
Boa
parte dos esquerdofóbicos brasileiros são pertencentes à classe proletária, a
maior prejudicada com as políticas neoliberais ou de direita, como queiram.
Isso acontece justamente porque tais pessoas simplesmente repetem o senso
comum, aquilo que ouviram desde a tenra idade e continuam a ouvir na televisão.
E, onde impera esse senso comum, o bom senso passa longe.
O
movimento pelo impeachment, que se consubstancia efetivamente num golpe
parlamentar, afinal não houve propriamente crime de responsabilidade da
presidente, é tão covarde e hipócrita que se vende ao povo como "luta
contra a corrupção". Uma vez no poder, a direita faz cara de piedade e,
num português com cuidada correção gramatical, diz: "sacrifícios serão
necessários, mas o resultado de tais sacrifícios será a saída da crise com a
retomada do crescimento da nossa economia". É tragicômico pensar no Zé
Povinho, que ganha 2 mil por mês, curtir essas múmias da direita, não se dando
conta de que os sacrifícios incidirão somente sobre os coitados como ele, e que
os ricaços permancerão ostentando suas fortunas e seus privilégios.
As
elites ou classes proprietárias, como queiram, defendem a política direitista
na medida em que tais políticas as beneficiam diretamente. Apesar de já
riquíssimos e sobrecarregados de privilégios creditícios e fiscais, os caras
querem mais. Vá lá querer mais se o brasileiro médio vivesse bem, se nosso país
não fosse tão marcado por severas injustiças sociais, mas não é o caso. Os
convictos direitistas pertencentes às elites sabem o quão desigual é esse país
e, ainda assim, não querem abrir mão de nada e não se comprazem com o mar de
sofrimento alheio que provocam. Aqui tem-se um caso de direitismo consciente,
por falta de caráter, oportunismo e canalhice.
Já
o pobre, pense naquele professor de exatas da educação básica, no técnico
contabilista que enche a boca pra falar mal da esquerda e baba o ovo da
pirralhada do mbl, não pode ser rotulado como um canalha. Até poderia ser de
sadomasoquista, caso soubesse verdadeiramente o que está defendendo. Contudo,
como ele não sabe a fundo do que se trata, revela-se ignorante em política,
história, sociologia, o que defende é apenas a reprodução do senso comum, é um
direitista não por oportunismo ou falta de caráter, mas por falta de
conhecimento.
Assim,
chegamos a uma interessante e derradeira conclusão, que o BOM SENSO nos permite:
NO BRASIL, SE VOCÊ É DE DIREITA, DAS DUAS UMA: OU VOCÊ É UM IGNORANTE, OU VOCÊ
É UM CANALHA.