sábado, 18 de junho de 2016

PAPO DE BAR




"Ciência sociais? Éeee, fazer uma faculdade pra aprender papo de bar, é isso?"
Meu professor de Química do Ensino Médio quando ouviu minha resposta a sua pergunta sobre que carreira eu pretendia.



            A noite não estava exatamente ruim, até tava um clima agradável. Era quarta-feira, mas valia a pena tentar mais uma vez, alguma coisa, algum porquê, o que quer que fosse. O que exatamente? não se sabia e nunca se saberia. O dia que fosse sabido, a vida deixaria de existir em oposição e em consequência à morte, haveria somente o nada, ou seja, o mundo todo se tornaria uma série do Netflix; não haveria mais noites a serem desfrutadas e/ou purgadas, apenas caras assertivas e enredos pobres e previsíveis, porém viciantes - era nisso que Henrique pensava

- Traga uma breja...pode ser Antarctica mesmo...obrigado.
- E aí, Mano? Achou que eu não vinha mais, né?
- Achei que você tivesse se perdido por aí...
- Tava enrolado, demorou pra eu sair...rapaz, até que tem bastante gente nesse bar, hein? 
- É, tem mesmo, acho que ninguém mais aguentava ficar em casa.
- Pois é, mano, isso aí tava tenso. Cara, parece que no frio a galera enlouquece de um jeito diferente, sabe? É meio devagar, mas de uma maneira mais difícil de vencer, de se livrar...tá cheio de nego se matando...ou pirando de vez. Lá no meu prédio ouço uns relatos assim. 
- Pode crer. No fundo a gente não passa de bicho e precisamos de Sol, de claridade natural, tá ligado? Essa porra de vida dentro de escritório e com a fuça na tela de computador tá arrebentando com a humanidade, e vou te falar, que arrebente mesmo! 
- Hahahaha! Que misantropia é essa, rapá? Não era você o humanista? Não to te reconhecendo, hahahah!!!
- Mesmo os mais humanistas tem seus dias de incerteza. Cê tem visto o facebook? Tem lido os comentários feitos nos artigos do Sakamoto? do Safatle? Bicho, a galera tá extremamente boçal, mano, não sei de onde surge tanta burrice.
- Pode crer, não é fácil amar a humanidade desse jeito. 

               Uma linda ruiva senta-se numa mesa ao lado.

- Desse jeito é muito fácil, cara, hahahahha!
- Sim, facílimo, mas experimente conversar com ela, aí a coisa pode ser um pouco mais complicada.
- Conversar? Eu lá ia pensar em conversar? Hahahaha! Eu a amo!
- Tá com jeito de ter bebido algumas antes, hein? Tá romanticão pra caraio!
- Tô, cara, cê tá ligado.
- Meu, mas mudando de assunto, você tem acompanhado essa parada do impeachment? Eu sei que tá no Senado, montaram uma Comissão só com cuzeiro da direita e tal, mas e aí, como anda essa porra?
- Pô, mano, ainda hoje tava assistindo na TV Senado os trabalhos, como eles chamam. Uma bizarrice atrás da outra, cara, deprimente. Como você falou, a merda já começou na eleição do presidente e do relator da Comissão, o coxinha cupinxa do Aécio como relator, e um antigão do PMDB de presidente. Porra, todo mundo sabe que o PSDB e o PMDB querem porque querem o impeachemnt. Fora isso, o Cardozo requereu a juntada de documentos dentre os quais as escutas, aquela do Jucá e uma outra lá do Sarney, que deixam claro a existência do golpe. Aquele papo de trancar a lavo jato porque ela já havia chegado no ponto desejado, e impedir o prosseguimento para que não houvesse risco de atingi-los, cê ouviu dizer, né? 
- Sei, e o que mais?
- Bom, mas aí o Eduardo Cardozo requereu, também, que se fizesse uma auditoria internacional, sabe? O argumento dele foi o de que o mero parecer do TCU era insuficiente e um orgão internacional teria a necessária isenção. Que ce acha que a Presidência da Comissão do Impeachment decidiu? Nego! Por essas e por outras, o Cardozo disse que apesar de poder usar da palavra, não estava podendo exercer o direito de defesa. 
- Mas, Henrique, as escutas não fugiriam ao objeto do impeachment?
- Então, Carlos, foi esse o argumento para negar a juntada delas, mas não é correto, eu acho. Veja bem, o conteúdo das escutas remete diretamente ao impeachment.
- Hahaha, eu sei, só quero fazer você desenvolver os argumentos; eu também acho isso.
- Eu percebi, mas é bom praticar assim, estilo dialética, tá ligado, hahaha!

"O BRASIL SERIA MUITO MAIS DESENVOLVIDO SE TIVESSE SIDO COLONIZADO POR HOLANDESES"
- Mano, ouviu essa?
- O quê?
- O babacão na mesa da ruiva...
- Que que tem? 
- O cara mandando aquele papo batidaço dos holandeses e achando que tá abafando...aquela conversa de que se fossem os holandeses os colonizadores do Brasil nós viveríamos hoje num país desenvolvido...
- Hahaha, cara, eu sempre escuto isso, em todo o lugar. Foda, mano! Mas tá com jeito de que ele vai pegar a gata, ela deve ter curtido o papinho dele...
- Mas voltando naquela conversa do impeachment...
- Hum.
- E se o Senado condenar a Dilma? Mesmo sem respeitar o direito de defesa da maneira como vc tava dizendo, o que pode ser feito?
- Cara, disque há uma alternativa que é mover uma ação no STF argumentando que o julgamento é nulo por inobservância do direito à defesa e, subsidiariamente ,a absolvição por se tratar de um julgamento meramente político, sem fundamento jurídico.
- Ah, vc diz isso porque é aquela história, né, o julgamento do impeachment deve ser político e jurídico, ao mesmo tempo.
- Exatamente.
- Só, entendi. Mas, cara, vc falou de anular o processo por falta de defesa e tal...
- Sim.
- Tava pensando aqui, imagine uma outra situação. Pense num cara que realmente é culpado, escrotão...
- Você quer se referir a um pedófilo, estuprador...?
-É, tipo uma merda dessa, um caso terrível desses. E se houvesse espaço pra uma anulação da condenação seja porque faltou defesa ou qualquer outro erro lá...que você acha?
- Cara, pela lei o Ministério Público poderia mover nova ação penal, mas haveria o risco da prescrição, sabe?
- Sei, mas você acha isso justo?
- Hahahah, lá vem você querendo me provocar...hahahah....tá na pegada do Abujamra hoje...
- Hahaha, é, to mesmo, mas me diga, acha justo?
- Meu, você sabe, justiça é uma ideia equívoca...depende muito do enfoque que você queira dar. 
- Você tá fugindo, to percebendo...
- Hahahah, não é isso, mano. O que acontece é que falar de justiça pode ser querer comer a própria bunda, sabe, uma coisa non sense.
- Tipo comer cu de gato?
- É.
- Sei, mas não vai sair nada?
- Se você tiver paciência, sai, hahahah, mas acho que você vai rachar o bico da minha cara.
- Corre-se o risco, mas sei que você não liga pra isso.
- É, não ligo mesmo. Enquanto a gente presencia um golpe as pernas daquela ruiva não deixam de me enfeitiçar, sei lá, a vida é bonita, apesar de tudo. Mas vou te falar, Carlos, Direito e Justiça são coisas que nada tem a ver. É como disse o Lao-Tsé, "onde nasce o Direito, morre a Justiça", acho que foi assim que ele disse. Eu demorei pra entender isso, mas hoje acho que entendo. Na verdade a justiça é algo espontâneo, sabe, ela acontece não por obrigação, medo, ameaça, as pessoas simplesmente reparam o mal causado de forma espontânea, sem querer procurar motivo racional pra isso.
- Caramba, mano, que parada louca é essa, é meio hippie isso aí, né, hahaha!
- É, pode ser, e eu acho os hippies muito sábios, pra falar a verdade. Eles tão cheios de merda na barriga, como todo o mundo, mas têm a alma limpa, sabe?
- Mas, cara, cê não disse o que é Justiça pra você, tá enrolando!
- Ok, Carlos, vou mandar, mas você vai rir, bicho, eu to ligado.
- Manda.
- Justiça é amor.
- ...cara, bonito, hein?
- Mas por que você diz isso? De onde tirou?
- Veja bem, justiça é espontânea, não provocada. Se provocada, forçada, é Direito. Torna-se Direito por causa da sanção, da coerção, saca? O que leva a justiça acontecer, dessa maneira espontânea, é o amor, cara, o que nos liga enquanto seres humanos, o que dá sentido a nossa vida gregária, sabe?
- É, cara, acho que é isso mesmo...cê dixavou legal...

PÁAAA - FILHAAA DA PUTAAAA!!! DESGRAÇADOOOO!!!!
- Só uma batidinha de leve e o cara faz um escândalo desse aí, que otário da porra.
- É muito amor mesmo...hahahaha...
- Serviu pra ilustrar tua definição, hahaha...
- É, Henrique, o entusiasta dos batavos se deu bem...olha lá...
- Que parada! Fala um monte de merda, mas tá dando uns pegas na mina mais gata do rolê...
- Mas, cara, você tem razão naquela parada que vc disse, mano, sobre a justiça e coisa e tal.
- Talvez eu tenha, mas é só o que eu tenho, hahahahah....velho, acho que estamos ficando meio loucos, sabe, diletantes pra cacete!
- É, quem fala "diletante" só pode ser "diletante". Eu acho que vou nessa, amanhã tem trampo, foda!
- Pode crer, beleza, eu vou daqui a pouco. Pague umas três e deixe o resto comigo.
- Ok, figura, é "nóis"!

Enquanto Carlos tomava seu rumo, Henrique se levantava pra mijar. Caminhando até  o banheiro, pensou que às vezes saber demais é angustiante, e que esse pensamento já era batido pra porra, nada original. Na volta, trocou olhares com uma garota que cruzou, que se dirigia ao banheiro das mulheres. Sentou-se junto ao balcão, esperando que ela saísse. Deu certo. Conversaram e o papo foi bom. Foram pra casa dele. Riram, transaram e dormiram. Enquanto a gente ser esse bicho angustiado, assustado, inconveniente e absurdo pra caralho, só o amor nos salvará, acompanhado de ovo cozido servido no desjejum. Esqueça os colonizadores holandeses, eles não nos salvarão.

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