terça-feira, 29 de outubro de 2013

CAFÉ COM VOLTAIRE



Não raras vezes algo curioso acontece comigo, acredito que com vocês também. Vira e mexe me pego em reflexões sobre em que medida somos livres. Ou mesmo se efetivamente o somos. Existe um sem número de autores que já trataram do tema e, seus livros, se reunidos, com certeza comporiam bibliotecas inteiras. Não nego isso. Sei que o tema não é nada original. Mas isso não importa.

Somos livres e presos, ao mesmo tempo. Foi isso que minha extremamente limitada razão foi capaz de deduzir. Nossa experiência de liberdade é exercida somente no plano concreto, do real, de vivências efetivas. E são esses os planos que limitam a nossa liberdade.

Há, portanto, não uma exclusão, como em princípio soa intuitivo, entre liberdade e limitação a ela, mas sim uma relação de condição. A liberdade se condiciona a determinados limites, pois sem eles ela simplesmente não seria realizável, vivível enquanto experiência. Tentarei ser mais claro. Pense que alguém é infinitamente livre. Ser “infinitamente livre” é uma construção textual apenas, já que como se é livre se há um infinito universo de possibilidades, de decisões a serem tomadas?

É impossível ser infinitamente livre na medida em que a possibilidade de escolha de uma entre infinitas possibilidades é nenhuma. Sei que pode parecer bastante abstrato e até confuso, mas se prendam na ideia de uma liberdade infinita. A partir daí, notem que se é infinita, qual caminho se irá escolher? É possível dizer “qualquer um”, mas um dentre quais, se eles são infinitos? O que percebi, raciocinando dessa maneira, é que UMA EXPERIÊNCIA DE LIBERDADE INFINITA É ABSURDA. Essa reflexão me permitiu concluir que A LIBERDADE COEXISTE NECESSARIAMENTE COM SEUS LIMITES. Nesse ponto, me recordei do conceito sartriano de facticidade, e acho que se trata exatamente desses limites que, paradoxalmente, permitem a experiência da liberdade.

Partindo dessa constatação, a de que a liberdade é inevitavelmente limitada, penso no grande número de pessoas insatisfeitas com a liberdade que possuem, exatamente por ser essa necessariamente limitada. Isso me fez lembrar uma frase de Voltaire, que quero compartilhar com vocês: “É ESTRANHO QUE OS HOMENS NÃO ESTEJAM CONTENTES COM ESSA MEDIDA DE LIBERDADE, ISTO É, COM O PODER QUE RECEBERAM DA NATUREZA DE FAZER, EM VÁRIAS SITUAÇÕES, O QUE ELES QUEREM; OS ASTROS NÃO TEM ESSES PODER.”. Depois dessa lição de François-Marie Arouet, deveríamos pensar muito antes de nos queixar de nossa eventual insuficiência de meios...

Essa história do absurdo de uma liberdade infinita, também me fez pensar sobre o livre arbítrio. Como já disse, não possuo uma razão excepcional, minha mente é bastante simples, por isso não pretendo propor verdades absolutas, até porque, mesmo partindo da minha mente rústica, sei que elas não existem. O livre arbítrio seria também apenas uma construção linguística, uma ilusão? A boa e velha SINCRONICIDADE me presenteou com uma reflexão singular de Voltaire, sim, ele de novo! E eu que não o imaginava como filósofo! Vejam só: “SERIA MUITO SINGULAR QUE TODA A NATUREZA, QUE TODOS OS ASTROS OBEDECESSEM A LEIS ETERNAS E QUE HOUVESSE UM PEQUENO ANIMAL DE UM METRO E MEIO DE ALTURA QUE, A DESPEITO DESSAS LEIS, PUDESSE AGIR SEMPRE COMO LHE AGRADASSE, MOVIDO APENAS POR SEU CAPRICHO”. Genial, não? Eis nossa belíssima tragédia: nos consideramos livres, uma liberdade, porém, que não se exerce infinitamente, é circunscrita, necessariamente delimitada. Mas, a nossa vontade de agir, o que nos impele a escolher este e não aquele caminho, será completamente livre? Em que medida as leis da natureza poderiam nos condicionar a agir de possíveis modos?

O que me levou a escrever esse texto? Até que ponto esses questionamentos necessariamente me ocorreriam? Não ocorrem apenas em função das minhas experiências de vida? Ou haveria algo inato, tal como o fato de eu ser libriano e, segundo a astrologia, os nascidos em libra tenderem a ser reflexivos, tais como todos os nascidos em outras das três casas pertencentes ao elemento ar? Voltaire certamente repudiaria essa última sugestão. Eu não me considero capaz de solapá-la tão peremptoriamente. Sou hesitante, outra característica típica dos librianos...


Se, como dizem os dialéticos -  tudo é e não é ao mesmo tempo -, quanto à liberdade, somos e não somos livres. Independente de sermos ou não efetivamente livres, o que importa é que algo somos. 








4 comentários:

  1. É estonteante o quanto, talvez meio que caleidoscopiando a questão, a liberdade é a um só tempo tamanha e tão pouca.
    GK

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  2. Não pretendo ser tão eloquente quanto vc, mas acho a última frase do texto a + importante: "...o que importa é que algo somos". Acredito que nisso se baseia a nossa existência, em sermos alguma coisa, não importa o quê, nem em que medida...ótimo texto!!!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. São as minhas mesmas indagações. Aquela HQ q t enviei tem um pouco dessa reflexão apesar de não ser o tema central da história. As escolhas, o sentido de existir, a inteligência... A razão parece não cooperar com a liberdade. Aliás, o que aparenta é que quanto mais razão menos liberdade e quanto menos razão mais liberdade. Neste último, a liberdade é conduzida pela aleatoriedade, enquanto a primeira pelo destino. Claro, o destino que o próprio sujeito traçou 'em mente' e não o destino regido por "forças universais". Contudo, a aleatoriedade das outras pessoas acaba interferindo no destino do sujeito, e consequentemente na sua liberdade. O movimento dessas peças acaba gerando as supostas forças universais (acasos do dia-a-dia: sorte ou azar, encontros e desencontros, coincidência ou descoincidência), e isso gera uma bola de neve q fica martelando em nossas mentes. Afinal, a vida tem algum significado ou a nossa existência é irrelevante perante o Universo? To be or not to be, that's the question.

    Gostei do texto.
    Espero que volte com mais cafés como esse.

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